18 outubro 2008

RETRATOS QUE GRITAM!

Em 1999 o retratista Paulo Fridman saiu pelas ruas da Vila Madalena e do Largo da Batata, na cidade de São Paulo. Na bagagem: câmera, um estúdio portátil com um fundo neutro, papel e caneta. Outros grandes fotógrafos, igualmente retratistas, como Irving Penn e Richard Avedon (1923-2004), há algumas décadas também fizeram o mesmo. Até aí, o projeto podia ser similar, como tantos outros que se seguiram. Diferença: Fridman usou um fundo negro e fez algumas perguntas aos retratados: “Quem é você? Qual é o seu sonho? E o futuro do Brasil?”.
O alvo do fotógrafo: pessoas comuns, nas ruas da maior cidade brasileira. Leia-se também da maior diversidade social da América Latina. O que significou trazer à luz - no caso ajudado pelos flashs que carregava - os pensamentos de anônimos. Gente que nunca tem vez, gente que só aparece em jornal na coluna policial ou como personagem de tragédias nacionais e outras mais domésticas. Contudo, gente que pensa, que tem idéias, que sofre, ao mesmo tempo, que sonha.Cada personagem escrevia no papel sua resposta, que era fotografada e submetida a uma fusão com o retrato. No início o processo era criado artesanalmente em laboratório, depois passou a ser digital, a medida que o fotógrafo também migrava para o meio. Ao projeto juntou-se um prêmio em 2000, no “Brasil da Virada do Século” e foi parar na final do Adobe Digital Contest, além de fazer parte de acervos importantes como o do Museu de Arte Moderna de São Paulo –MAM, e da Biblioteca do Congresso, não do nosso, mas em Washington, EUA. Não podemos esquecer que Paulo Fridman é correspondente no Brasil para a revista americana Time.
A qualidade imagética e conceitual de Paulo Fridman não acontece por acaso. O paulistano, nascido em 1955, estudou fotografia no Rochester Institute of Technology e no International Center of Photography-ICP, vídeo na New York University e cinema na School of Visual Arts. Escolas onde germinaram grandes nomes da fotografia e do cinema mundial. Além de trabalhar no editorial e na publicidade, é um dos poucos que desenvolve um trabalho autoral por estes caminhos.Arnaldo Antunes, poeta e músico que assina o texto do livro, faz um contraponto a célebre e desgastada pergunta sobre o que vale mais: palavras ou imagens? O que valeria então a palavra que se torna imagem? Semântica e poéticas a parte, o que o conteúdo das idéias acrescentam aos seus interlocutores e vice-versa. Para Antunes “A manuscrita presentifica as palavras em realidades icônicas que, dispostas sobre os seus rostos, acentua o desvelamento de cada uma destas pessoas”.Este desvelar, abordado pelo poeta, assustou de início o fotógrafo. Ao retratar uma senhora, catadora de latas, notou o refinado texto escrito por ela, de português impecável, em que falava da falta de ética do país. Na assinatura: Maria Augusta, 80 anos, advogada, ex-professora. Dá para imaginar o impacto no fotógrafo, ou melhor, no retratista? A ela se seguiram outras revelações, transpostas para o livro entre olhares plácidos e fulminantes.
A diferença entre fotógrafo e retratista, cabe aqui um porém, muito peculiar, pois este último lida com a “Psiquê” do retratado - sua tão chamada “alma”, como preferem alguns - não com o fato que acontece. Lida com suas idéias e conceitos, não com ações ou reações. No retratar, a interação é fundamental para gerar a expressão buscada, a liberação do conteúdo por trás da aparência. Citando Avedon novamente, tem que se arrancar a pele, para descobrir a outra pele que está por baixo! Às vezes, isso é duro para ambas as partes.Não há dúvida que se você tem um mínimo de consciência política, as declarações destas pessoas batem lá no fundo. É como a descoberta narrada no filme “O segredo de Joe Gould” que conta o encontro do repórter da cultuada revista The New Yorker, com o andarilho nova-iorquino Joe Gould. O mesmo anda pelas ruas da cidade dizendo que vai publicar a grande “História Oral do Mundo”, mais de 20 mil histórias que ele ouviu. Joe Mitchel, o repórter, publica sua história ao saber que ele estudou em Harvard, tornando-o uma celebridade.De certa forma, os personagens outrora anônimos de Fridman tiveram seus momentos de celebridade: uma grande exposição dos retratos na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2004. Um recorte feito pelo curador da instituição, Diógenes Moura, entre as centenas de retratos feitos. Para o livro, somente 70 deles foram editados, dos mais distantes, de 1999, caso do mecânico Tatsuo Kuroda, de 43 anos, fotografado no Largo da Batata, até recentíssimos de 2008, como a professora Marta Camargo, de 42 anos, retratada no Largo do Arouche, centro da cidade.
Fridman deixa que seus retratados se exponham como melhor convier, com frases como a de um jovem: “Diego, este é o meu nome. Não sou melhor e nem pior, apenas um jovem sem emprego na sociedade brasileira (…)”, Diego Silva Queiroz, de 17 anos; ou “ O que espero para o Brasil? Espero que o povo aprenda a reclamar, a se fazer respeitar (…)” da bela estudante de Direito, Julia de Almeida Santos, de 23 anos; ou ainda melhor, “A violência é a conseqüência da ignorância de todos nós”, do policial militar Marcelo de Souza Oliveira.Arnaldo Antunes alerta em seu texto sobre a inocência com que as pessoas se entregam ao fotógrafo, a qual a verdade se reveste de beleza. Embora, o que há de belo neste livro é a capacidade de um grande fotógrafo como Fridman lidar com uma beleza não evidente, buscar no fundo de cada retratado aquele sopro de vida, esquecido pela visão opaca da mídia, baseada numa já estética decadente. Tão sectária e caduca, que quando há uma troca real entre fotógrafo e retratado, é considerado um ato inocente deste último. Aquela mesma inocência perdida, resgatada agora por Fridman, que um dia foi chamada de altivez.

Retratos Falantes
Fotografias de Paulo Fridman
Editora DBA, Dórea Books and Art
Projeto gráfico de Arthur Lescher
ISBN- 978-85-7234-382-4

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